Maurício Quadros
Palavras do artista.
Através das vivências entre Porto Alegre e Montevidéu, nasce a decisão de eleger a pintura como base para dialogar, traduzir visualmente o imaginário milenar quanto à resistência social e cultural dos povos da África e América Latina. De forma autodidata, o trabalho remonta através das tintas a abundância da ancestralidade artística e espiritual que atravessa séculos atuando junto aos conflitos sociais nas geografias urbanas. Uma tarefa de entregar a exuberância terrena com o retrato de quem carrega até hoje o choque amargo que trouxe as caravelas europeias. Exploração e escravidão, passado e presente: cabeças, caras, bustos e expressões mundanas (ou sagradas) que trazem milhares de anos de resistência num único olhar, vão por maioria, protagonizar as telas pendidas a esboçar ambas as realidades.
Plasticismo, amplitude orgânica e bifurcação de estilo: As primeiras obras, compreendidas entre os anos de 2012 e 2015 foram apresentadas através da composição de elementos simbólicos e cores primárias com teor matemático e construtivista. A lenta produção marcou este estilo inicial justamente pela propensão ao detalhe. O segundo estilo (que segue nos dias atuais) é marcado pelo rompimento da formalidade plástica através do golpe desleixado dos pincéis... arranhões, escorrimentos e o uso misto de qualquer resíduo que possa manchar uma tela ou chapa. Forma-se o caos organizado entre espátulas e jatos de tinta, recursos mais soltos que desdobram mais sentido para "falar" dos povos vulneráveis, principalmente de quem vive a margem dos privilégios modernos. Pode-se pensar em Charruas, Guaranis, imigrantes clandestinos, camelôs haitianos, tamborileiros do Candombe uruguaio e moradores(as) de rua. Com naturalidade o trabalho também envolve uma atenção especial para os traços da cultura negra dentro do misticismo, aos Orixás das religiões de matriz africana em geral, fundido com o legado dos povos Maias e Astecas (semelhanças materiais e a espiritualidade em comum que trafegava entre povos de diferentes continentes). Uma ode à natureza, aos animais sagrados, ao simbolismo e às Deusas das antigas paredes.
Com o campo amplo, é mantida a intenção direta, focada em imprimir tudo que exista alma, em tudo que é sagrado, orgânico, em tudo que haja respiração e suor, que vem da terra ou debaixo dos viadutos, de tudo que vem do trabalho, que sofra, que é injusto, a opressão e a desigualdade social numa dança cíclica sapateando em nossas paisagens. A resistência.